Por Paulo Briguet
Quase todas as cidades têm os seus mitos fundadores.
A diferença é que o mito fundador de Londrina está muito mais próximo no tempo do que o cemitério de mamutes em Londres; do que os gêmeos Rômulo e Remo alimentados pela loba; do que o herói Ulisses em terras lusas; e mesmo do que os jesuítas que ergueram uma escolinha no Planalto de Piratininga. Londrina começou a nascer há exatos 80 anos, na tarde de 21 de agosto de 1929, quando a caravana da Companhia de Terras Norte do Paraná, chefiada por George Craig Smith, chegou ao lugar da floresta hoje conhecido como Marco Zero.
A caravana era chefiada por George Craig Smith, um paulista descendente de ingleses; ele comandava um grupo de homens com diferentes nacionalidades e origens étnicas. Se estivesse vivo, Craig Smith teria 100 anos. Isso quer dizer que ele tinha apenas 20 quando chegou à futura Londrina.
A turma havia partido de Ourinhos (SP), passou por Cambará (conhecida na época como a “Boca do Sertão”) e chegou a Jathay (hoje Jataizinho), um misto de entreposto militar e aldeamento localizado às margens do Rio Tibagi. A caravana pioneira partiu de Jathay na madrugada de 20 de agosto e utilizou um antigo picadão para vencer os 16 quilômetros até que o engenheiro e agrimensor Alexandre Razgulaeff disse: “Chegamos!” Era o início das terras adquiridas pela companhia. O português Alberto Loureiro liderou a derrubada de árvores. Na clareira aberta, os homens construíram dois ranchos de palmito. Começava Londrina.
“A visão sobre a caravana da Companhia de Terras faz parte de um processo de mitologização dos eventos originais”, diz o historiador e escritor Rogério Ivano, autor do livro Crônicas da fronteira. “Toda cidade tem seu acontecimento inaugural. Em Londrina calhou de ser uma caravana de pioneiros de diferentes nacionalidades, dentro do contexto de um mundo liberal. A caravana não é formada por militares, nem bandeirantes, nem aventureiros, nem missionários, nem conquistadores. São colonos trabalhadores. É uma diferença importante em relação a outros eventos fundadores, porque já antecipa o imaginário da região e o tipo de colonização que será feita aqui.”
A caravana era chefiada por um jovem de 20 anos. “Eram tempos em que não existia o conceito de adolescência”, diz Ivano. “Com 16, 17 anos, já se era adulto.” Isso faz com que a cena da chegada ainda esteja muito vívida na memória da cidade. Ainda há pioneiros vivos.
No livro Mensagem, Fernando Pessoa faz uma evocação poética do herói grego Ulisses, um dos mitos fundadores de Portugal: “O mytho é o nada que é tudo./ (...) Este, que aqui aportou, / Foi por não ser existindo. / Sem existir nos bastou. /Por não ter vindo foi vindo / E nos criou.” A diferença é que o nosso mito fundador aconteceu de fato. E está completando 80 anos na tarde de hoje.
Caboclos estavam aqui antes de 29
Antes de 1929, a região hoje ocupada por Londrina não era um vazio humano. Havia índios dispersos, grileiros e alguns poucos proprietários. As florestas também eram habitadas por comunidades de caboclos. “Os caboclos constituíam uma sociedade praticamente isolada do mundo civilizado”, afirma o historiador Rogério Ivano. “Eles viviam da agricultura de subsistência, eram nômades, misturavam tecnologias indígenas com hábitos de antigos escravos.”
Muitos deles se dispersaram naturalmente com a chegada dos colonos em 1929. Outros foram incorporados às estratégias da Companhia de Terras. “Eles fornecem um princípio de ‘industrialização’ na região, porque eram exímios criadores de porcos”, observa Ivano. O picadão “Jathay-Sertão”, utilizado pela primeira caravana, possivelmente fora aberto para transportar varas de porcos até abatedouros na região de Siqueira Campos (Norte Pioneiro).
Livro narra origem de cidades
Infelizmente, por causa da gripe suína, o Museu Histórico de Londrina não pôde realizar hoje as comemorações previstas para marcar o Dia do Pioneiro. No entanto, há uma boa notícia para quem se interessa pela história da região: já está pronto o livro Certidões de nascimento da história: o surgimento de municípios no eixo Londrina-Maringá, organizado pelo professor e jornalista Paulo César Boni.
A obra reúne ensaios sobre a formação de cidades no Norte do Paraná. Mais informações pelo fone 3371-4744.