FOLHA DE LONDRINA
Mãos hábeis e boa conversa
Manipulando suas tesouras e navalhas, três barbeiros acompanham há mais de 50 anos as transformações de Londrina
Ederaldo Almeida, de 75 anos, Décio de Oliveira, de 73, e Dácio de Oliveira, de 75, formam um trio que dedicou a vida a fazer barba, cabelo e bigode dos londrinenses
As velhas cadeiras da década de 1950 continuam ali, exatamente como no dia em que a barbearia foi aberta. Os clientes e os profissionais que os atendem também pouco mudaram. No Salão Coroados, localizado em um movimentado corredor da cidade, a Rua Souza Naves, a sensação é que o tempo andou mais devagar. Dácio Salvino de Oliveira, de 75 anos; seu irmão Décio Salvino de Oliveira, de 73; e o amigo de décadas Ederaldo Almeida, de 75, formam um trio que dedicou a vida a fazer barba, cabelo e bigode dos londrinenses. Eles nunca mudaram de endereço – no máximo transferiram seus equipamentos de trabalho de uma sala localizada dentro do Hotel Coroados para um imóvel ao lado –, mas garantem que não deixaram de acompanhar as tendências de cada época.
Da velha porta de vidro eles viram a cidade se transformar e seus clientes multiplicarem-se em filhos, netos, sobrinhos. "O José Richa, o sogro e os meninos dele sempre frequentaram o salão. Até hoje, quando o Beto vem a Londrina, passa aqui para nos cumprimentar. Quando era criança, cansamos de atendê-lo sentado na tábua (artifício utilizado pelos barbeiros para os pequenos ficarem na altura certa)", conta Dácio, referindo-se ao governador do Estado. Atrás dele, cuidadosamente afixada à parede, está a foto do amigo ilustre ladeado pelos três mestres das tesouras. "Hoje o Beto não corta mais cabelo aqui. Deve ter o cabeleireiro dele lá em Curitiba", informam.
Dácio e Décio vêm de uma uma família de barbeiros, originária de Capitinga (MG), cidade que ficou famosa pelos bordões do caipira do programa humorístico. De 10 irmãos, cinco escolheram a mesma profissão. "Eu comecei e depois fui ensinando os outros", orgulha-se Dácio. Ele chegou em Londrina em 1961, influenciado pelo sogro, que já morava aqui. Depois convenceu o irmão mais novo a fazer o mesmo. Já o amigo Ederaldo veio de Xavante, interior de São Paulo. "Viemos pra cá tudo moço, hoje estamos tudo velho", diz Dácio, divertindo-se com a forma coloquial de falar.
O mineiro calcula que 52 anos atrás, quando decidiu ganhar a vida aqui, a cidade era menos de um terço do que é hoje. "A gente aqui viu essa cidade crescer. Já amassamos muito barro", relembra, para contar que hoje estão na quarta geração de clientes. "Atendemos os netos daquela geração mais antiga. Temos uma clientela maravilhosa", elogia o barbeiro. Ederaldo, por sua vez, se lembra de quando "passava boiada na Avenida Paraná". Porém, ao ser perguntados sobre histórias de bastidores que normalmente pipocam nos salões de cabeleireiros e barbearias, preferem dizer que em função dos anos, nem se lembram mais.
Os três, que começaram como funcionários do estabelecimento aberto em 1954, com o tempo tornaram-se proprietários. Eles garantem que a chegada de tantos outros profissionais na cidade nunca atrapalhou a rotina do salão. "Só não nos aperfeiçoamos em cortes femininos. Mas não tem tipo de cabelo que a gente não corte", garantem, enquanto Ederaldo prepara – como já fez tantas vezes na vida – a navalha para mais uma barba. Ele tem o cuidado, porém, de esclarecer à reportagem que a lâmina utilizada hoje em dia é descartável, uma das poucas mudanças aceitas pelos três profissionais, que nem pensam em modernizar o salão. "Já estamos velhos. A gente pensa em mudar quando é jovem", justificam, bem-humorados.
Um dos maiores orgulhos dos três barbeiros é quando recebem um antigo cliente que não veem há muito tempo. "Um dia apareceu aqui um homem de 63 anos. Conversando, ele contou que era meu cliente quando tinha 10 anos. A família dele se mudou para a Europa e ele só voltou depois de muitos anos. Foi gratificante ver que se lembrava de mim", relembra Dácio.
Entre estes antigos clientes está o contador Humberto Augusto Silva, de 63 anos. Ele diz que nem se lembra de quando começou a fazer cabelo e barba ali, mas que nunca foi a outro salão. "Eu era solteiro. Hoje meu filho e irmãos também são clientes. Aqui a gente bate papo, conta piada. Só não falamos mal da vida dos outros", avisa Silva, enquanto tem os fios devidamente aparados pelo amigo Ederaldo. - Silvana Leão - Reportagem Local
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